'Eu só queria escolher um nome africano para o meu filho': congolês relata constrangimento ao registrar bebê em cartório da Grande SP
30/10/2025
(Foto: Reprodução) Congolês sofre para registrar bebê com nome africano em cartório de SP
O professor de francês Abed Betoko, de 36 anos, nascido no Congo e naturalizado brasileiro em 2016, afirma que enfrentou dificuldades e que se sentiu humilhado ao tentar registrar seu filho com um nome africano: Zion Nzobale Costa Betoko.
Segundo o docente, na última segunda-feira (27), foi preciso discutir por mais de 1 hora com os oficiais de um cartório de Arujá, na Grande São Paulo, para que aceitassem o nome composto “Zion Nzobale”.
“Falei: se ‘Zion’, que nem é em português, é aceito, por que 'Nzobale' não pode? Por que preciso justificar? Qual é o problema de ser um nome africano? Para mim, o filtro usado foi racista”, conta Betoko ao g1.
O congolês diz que pediram a ele documentos do bisavô e do tataravô da criança, mesmo diante da explicação de que “Nzobale” não é sobrenome.
“Eu sei que, no Brasil, não podemos escolher nomes que criem constrangimento para a criança. Mas minha cultura é vergonhosa? É um claro desprezo a tudo o que se relaciona à África. Ainda abri as redes sociais para mostrar que existem vários Nzobale no Congo”, afirma.
➡️Procurado pela reportagem, o cartório não havia respondido aos questionamentos até a mais recente atualização deste texto.
Abed e a esposa registram momento do parto, em 21 de outubro
Arquivo pessoal
Mais abaixo, saiba o que significa o nome escolhido pelo casal.
Afinal, o que diz a legislação brasileira?
Busca nas redes sociais mostra que Nzobale é um nome comum fora do Brasil
Reprodução/Redes sociais
📝De acordo com o tabelião e especialista em direito notarial e registral Rui Gustavo Camargo Viana, a Lei de Registros Públicos (artigo 55, parágrafo 1º) apenas estipula que os cartórios evitem nomes que exponham a pessoa ao ridículo.
“Isso não se aplica a nomes étnicos, como africanos, indígenas ou judaicos. A escolha precisa ser vista à luz da cultura em que a criança está inserida”, afirma.
“Nome ‘ridículo’ não quer dizer nome incomum. Não cabe ao cartório de jeito nenhum dificultar a atribuição de um nome apenas porque ele não é da nossa tradição”, afirma.
➡️Viana explica que, pela legislação brasileira, a prática proibida é a de inventar um sobrenome que não existe entre os antepassados do bebê. No caso de Zion, não há irregularidades: são “Costa” (da mãe) e “Betoko” (do pai).
“Pode ter havido uma confusão por parte dos oficiais no sentido de achar que Nzobale era sobrenome. Como, na verdade, é um nome composto, a regra no Brasil é pela liberdade e pelo respeito à diversidade.”
Por que o casal escolheu ‘Nzobale’?
Abed Betoko dá aula de francês no Brasil
Arquivo pessoal
Abed conta que escolheu o nome por causa de uma tradição familiar. “Minhas tataravós, quando tinham filhos, geralmente viam os bebês morrerem no nascimento. Um dia, uma delas sonhou que a mãe, já falecida, dava um conselho: fazer um mingau de uma árvore chamada Nzobale e dar ao bebê. Quando acordou, ela fez isso. E a criança sobreviveu”, diz o professor.
“Por isso, quando meu filho nasceu, eu sabia que ele precisava ter esse nome. ‘Nzobale’ significa cura. É por causa dessa planta que eu estou aqui.”
Ele afirma que pretende contar a Zion Nzobale, quando ele crescer, o que ocorreu ao tentar registrá-lo.
“Vou ensinar o Zion a valorizar esse nome. Não podemos ceder. Quanto mais pessoas adotarem nomes africanos, mais comum isso vai se tornar. Se eu não tivesse mentalidade forte, teria ficado com vergonha das minhas raízes.”